Eu na Africa Twin no Sertões

Eu na Africa Twin no Sertões

Nada pode te preparar melhor para encarar o maior rally cross country do Brasil e o maior do mundo disputado num só país, o Sertôes, do que participar do próprio Sertões.
Seja como membro de uma equipe de apoio, seja como jornalista seja como piloto, ele é incomparável. Por isso, desejado, sonhado. Mas só os fortes encaram de verdade o desafio.

Os dias são longos e o Brasil acima de Goiânia é quente. Inclemente. Nada no tal “sul maravilha” te prepara pra encarar 35o.C ou mais durante 12 horas. O inverno brasileiro, se não é frio, é seco, e isso torra a garganta. Tanto no ar livre como no ar condicionado de carros ou caminhões.
E chacoalhar por essas horas e horas diárias, rodando em estradas que socam orgãos internos na carcaça humana que insiste em seguir o rally até o fim.

Pois bem, estamos aqui. Rodando de Goiânia até Fortaleza nesta edição 2018 do Sertões, 26a. prova da série história. Me escondo, feliz debaixo do capacete, atrás da bolha da Africa Twin que a Honda me emprestou pra esta jornada. Tudo em volta é aridez. Serrado virando caatinga numa bela aula de geografia. Hoje quero chegar em Barra no Piauí, ainda com a luz do sol. O asfalto dessa estrada estadual não tem demarcação de solo e rodar por aqui à noite, não vai ser bacana. Os animais se aproximam perigosamente da pista ao cair da noite, em busca do calor retido na faixa de piche. É uma armadilha. O velocímetro digital aponta insanos 170 km/h no painel da big trail. E ela pede mais. Subindo e subindo giros do motor de dois cilindros, ouço o ronco agudo dessa CRF 1000L e sonho com um chuveiro e uma cama.

Saí de Luiz Eduardo Magalhães na Bahia quase meio dia, por ter passado boa parte da manhã tentando mandar imagens para meu programa no Bandsports. Conexão ruim e tudo mais lento na internet. Eu aqui na moto sou mais rápido!

Perto de Barra a chuvaapareceu. Só pra fazer o vapor subir do asfalto e me mostrar lá longe dois anéis coloridos. Paz e Harmonia. Um momento único no Rally de durezas e incertezas. Uma forma de aprender a aceitar a impermanência da nossa vida. Parece que não mas mudamos sempre, não é? E nada como esse rolê de mais de 1700 pessoas acompanhando 150 veículos de competição. Imitamos a vida e nem percebemos.

Logo mais desembarco da moto num posto degasolina e me convidam pra tirar fotos. Eu, herói de nada numa moto tão forte e armado com botas, colete, capacete e luvas que não fazem sentido nenhum pra quem vive por ali. Barra é paz, ao lado dos Rios Grande e São Francisco, tem a calma de sua gente que se encanta com o som das máquinas e o sorriso dos sulistas, quase europeus. Conhecem os carros, sabem da Africa Twin e seus muitos HP de potência, mas se bastam nas Pop e Bros. Pra quê mais?

Duas garrafas de água, três sorvetes, um pão de queijo. Dez reais. Meu sorriso agora é ´porque sei que vou para o Hotel tomar banho e dormir. Amanhã tem mais. E nada será igual. Vou sofrer de novo, vou sorrir de novo e vou me espantar com minha própria capacidade de acelerar essa moto. Ela me ilude que sou piloto.


Celso Miranda